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Entrevista com J.del R. Millán

Descubra o que pensa este cientista, uma referência mundial no desenvolvimento de interfaces Brain-Robot (BMI).

15 de fevereiro de 2019


JOSÉ DEL R. MILLÁN é uma das referências mundiais no desenvolvimento das interfaces Cérebro-Robô. Por ocasião da sua participação, como orador, na Nit da Robótica, Daniel Cavero (Diretor de Sales Support na KUKA Iberia) e Sandra Pérez (Diretora de Marketing e Comunicação na KUKA Iberia), tiveram a oportunidade de entrevistá-lo partindo de uma perspetiva da Robótica industrial. Aproximamo-nos com curiosidade e admiração ao universo de possibilidades despoletadas pelas suas investigações.
JOSÉ DEL R. MILLÁN é catedrático da Área de Interfaces Cérebro-Robô da Escola Politécnica Federal de Lausana (EPFL) e Diretor do CNBI(Center for Neuroprosthetics and Institute of Bioenergineering).

 

Em que consiste a comunicação via interface cerebral?
Tratar-se-ia de medir sinais fisiológicos em pessoas e tentar descodificar os sinais cerebrais diretamente. Quando uma pessoa pensa ou imagina realizar uma ação dá-se uma modulação da atividade cerebral no córtex motor dessa pessoa. Trata-se de descodificar a intenção da pessoa de realizar uma ação.

Estes sinais são suficientemente fortes e descodificáveis em tempo real?
Em tempo real sim, porque uma das vantagens da atividade elétrica do cérebro é que se modula a nível de milissegundos, em cada milissegundo temos uma variação.
Relativamente à solidez, a qualidade da relação sinal-ruído é muito baixa, mas em qualquer caso temos um fenómeno de não estacionariedade, há variabilidade no tempo. Nunca será possível funcionar sempre a 100%, mais tarde ou mais cedo ir-se-á cometer erros.

No cérebro há emoções, sensações, pensamentos conscientes ou inconscientes; como é que se pode filtrar uma emoção?
Tem de haver um treino por parte da pessoa e também da máquina. A pessoa tem de aprender a modular a atividade e a máquina tem de aprender a encontrar quais são os padrões de atividade que correspondem a cada intenção da pessoa.

Somos todos iguais?
Somos todos iguais, mas diferentes. A organização do nosso cérebro em geral é a mesma para todos, exceto no caso de traumas ou malformações. Mas o que estamos a medir com a atividade elétrica é o resultado do mapeamento sináptico do nosso cérebro. O interessante é que este mapeamento é de facto individual, porque reflete as vivências individuais de cada pessoa. As regras de criação e eliminação de sinapses são simples. Tudo é um conjunto de estímulos-respostas, as vivências que possamos ter tido, cada um de nós, a todos os níveis, as experiências manuais na nossa vida. Por exemplo, não é o mesmo uma pessoa que tenha tocado sempre viola e outra que não tenha estado nunca ligada à música. Tudo isso cria mapas sinápticos diferentes, daí a necessidade de gerar descodificadores específicos.

O que é que estão a investigar no campo da aplicação industrial?
Nós trabalhamos muito com “o sinal do erro”. Por exemplo, quando eu lhe digo uma coisa e você faz uma cara estranha. Eu de imediato interpreto que não entendeu alguma coisa ou o que disse não foi do seu agrado. Ou, neste caso, quando eu quero que o robô faça uma coisa e ele faz outra, é porque não descodificou a minha intenção de forma correta.
São esses sinais que indicam que nós percebemos que algo correu mal na interação. Por isso, estamos a trabalhar em como ensinar o robô sem ter de o programar, sem ter de fazer demonstrações, isto é, para que o robô aprenda somente a partir dos nossos sinais cerebrais.
Se estamos perante o robô e já lhe fizemos uma demonstração de uma operação muito complexa, sabemos que vai haver erros e os robôs hoje em dia estão equipados com mecanismos de aprendizagem, normalmente por reforço, para poderem melhorar com o tempo, mas é um processo moroso. Trata-se de tentar que o robô aprenda simplesmente porque estou a observá-lo e não gosto do que ele está a fazer. Isso contribui com uma quantidade de informação muito reduzida, porque eu só lhe estou a dizer que não está bem, diretamente descodificado do meu cérebro. Isto dará lugar a erros, mas é preferível a não lhe proporcionar nenhum tipo de informação.

Ouvimos muitas vezes que a máquina será, em todos os âmbitos, melhor do que o ser humano num futuro mais ou menos próximo. Então porque é que estamos a tentar melhorar as máquinas, ligando-as ao nosso cérebro, se vão acabar por serem melhores em todos os sentidos? Este tipo de investigação tem os seus dias contados?
Esse é um tópico de discussão que para mim não está fechado, uma vez que, se queremos que as máquinas sejam melhores do que os seres humanos, devemos programá-las cada vez melhor e, eventualmente, um dia isso acontecerá. Mas, se dizemos e decidimos, enquanto sociedade, que tipo de relação desejamos estabelecer com as máquinas e as máquinas connosco … As máquinas irão substituir-nos ou vão permitir-nos fazer coisas que hoje em dia não somos capazes de fazer? Ou vamos conseguir fazê-las de uma forma muito mais eficaz, em sincronia, porque estaremos a trabalhar em conjunto?
No campo da neuroprótese, área a que me dedico, focamo-nos na substituição das capacidades motoras que a pessoa não possui. Mas é sempre a pessoa que diz como e quando é que quer executá-la, pelo que a máquina está ao serviço da pessoa.
No caso de um carro autónomo, estamos a colocar-nos de forma voluntária ao serviço de que o condutor é um simples passageiro, que não intervém, mas aí: estou disposto a gastar dinheiro num super-automóvel e agora, possuindo todas as minhas capacidades, vou perder o prazer de poder conduzir?

Onde está a fronteira moral-ética ao deixar que as máquinas nos controlem?
Não existe uma fronteira definida, nós enquanto sociedade é que temos de decidir qual é esse limite. Quando falamos em ajudar pessoas portadoras de deficiência, estamos todos de acordo que quase tudo é permitido. O problema será quando sairmos desta dimensão e defrontarmos algo como: porque não lhe dar um terceiro braço?
E que sentido tem isso? Qual será a relação desse terceiro braço com o corpo de carne e osso? Aí entra-se num grande debate. São debates existenciais. O mesmo acontece quando se ouve que os cérebros podem ser transferidos para o robô, imaginemos que é possível… mas atenção, porque a partir desse momento estamos a perder a nossa humanidade, na forma como evoluiu durante milhões de séculos. O nosso cérebro é o que é graças ao corpo que temos. No dia em que possuirmos outro corpo o nosso cérebro será outra coisa, e isto assumindo que o nosso cérebro é a sede de toda a vontade, de toda a consciência e de todas as vivências anímicas, espirituais e intelectuais.

Estamos perante uma revolução? De que género?
Implementámos um projeto denominado “Mental Work”, cujo um dos objetivos é fomentar este tipo de discussões. Como cremos que vai ser essa revolução cognitiva que irá ter lugar? Inclusive, contrapomo-la à revolução industrial que ocorreu há dois séculos. O que pretendemos é as pessoas toquem e experimentem de uma forma rudimentar todas estas tecnologias.
Fizemos uma exposição de arte e ciência, em Lausanne (Suíça) e em São francisco, onde o visitante podia encontrar réplicas de máquinas da revolução industrial com mecanismos de engrenagem. Naquela época a pessoa tinha de recorrer à força manual para manejá-las. Na exposição era possível as pessoas controlarem essas máquinas a partir das nossas interfaces cerebrais de uma forma simples, porque não havia muito tempo para treiná-las. Abrimos a possibilidade de as pessoas experimentarem e surpreenderem-se ao ver a máquina mover-se graças aos seus comandos mentais.
Porém, toda esta tecnologia não está desenvolvida e existem ainda muitas limitações. Mas, ainda que possamos extrapolar e dizer que, em 5, 10 ou 20 anos isto será uma realidade, a questão que se coloca é a seguinte: agora que experimentámos esta revolução cognitiva, em vez de utilizar a tua mão, tens de utilizar o teu cérebro como se estivesses a utilizar a tua mão. Como é que queremos que isto funcione? Queremos que a máquina tome sempre as decisões por nós? Queremos ser sempre os responsáveis das decisões nas atuações da máquina? Deve-se começar a definir estas respostas.

A interface cerebral pode ocorrer sem fios?
Sim, e isso já é possível, uma vez que os usuários têm de deslocar-se de uma máquina para a outra.
Sem capacete não seria possível, para isso seria necessário implantes. Uma vez que se tem de por em contacto o elétrodo com o corpo, quer seja por cima da pele, debaixo da pele, por debaixo do crânio, quer inserido no cérebro diretamente.

Ouve-se falar sobre a possibilidade de hackear o cérebro. Pode-se considerar isto um risco real nas comunicações com interface cerebral?
A partir do momento em que falamos de sistemas sem fios para enviar informação de um ponto A para um ponto B, pode-se interferir. Um exemplo simples e gráfico: se a pessoa está a utilizar um exoesqueleto para controlar o seu próprio corpo, eu posso fazer de hacker que se bofeteia a si próprio.
Admito que possa ser um risco, mas deve apoiar-se na legislação atual que garanta que as comunicações sejam privadas. Deve-se seguir o mesmo que se aplica neste campo, uma vez que ao fim ao cabo estamos a falar também de comunicações.

Como imagina uma unidade de produção do futuro?
Tem de ser muito reativa. Um dos motivos pelos quais a Europa, em particular, perdeu a indústria deveu-se ao facto de que enquanto a produção foi uma coisa puramente repetitiva, foi sendo transferida para lugares onde o custo era menor. Mas atualmente, queremos recuperar essa indústria porque queremos flexibilizar a produção e introduzir novos processos. E para isso não faz falta apenas robôs muito inteligentes, ligados, sensitivos, móveis, colaborativos, etc.… tem também de haver pessoas que sejam capazes de mostrar quais são as novas tarefas a executar. As pessoas serão o fator diferencial.
Nós, enquanto seres humanos, temos a capacidade de acrescentar valor na cadeia de otimização, permitindo no final alcançar resultados que satisfazem os nossos clientes. Aí, as interfaces cerebrais terão também um papel importante. Isso não significa que o operário começará a ficar sentado numa cadeira sem se mover, mas sim que podemos aumentar e avaliar não só a quantidade de informação que o operário envia, como a informação que recebe e interpreta.